Introdução
Tanto na consulta programada como em situação de urgência, é comum ver doentes recorrerem a serviços médicos com queixas de “dor de coração” ou “dor no peito”.
No entanto, após uma história clínica bem colhida (quando apareceu a dor, as características da dor, se é localizada ou se desloca para algum lado, se existem fatores de agravamento ou de alívio) e um exame físico orientado para os sintomas, essa possibilidade é, na grande maioria das situações, descartada…segue a próxima pergunta do médico.
“Tem andando mais nervoso ultimamente?…” – a resposta costuma ser positiva…
A ansiedade é conhecida por sintomas relativamente típicos (saiba mais), mas muitas vezes é acompanhada de manifestações físicas que agravam a preocupação do doente, por falta de compreensão do problema.
Um dos sintomas mais assustadores e frequentes é a dor no peito. Isto porque automaticamente associamos a problemas cardíacos, que são problemas frequentemente graves.
Mas foi a ansiedade que causou sintomas…ou os sintomas que causaram a ansiedade?
A dor no peito pode ser causada pela ansiedade e por ataques de pânico (saiba mais).
No entanto, quando surgem problemas cardíacos ou pulmonares, também podemos ficar mais ansiosos.
No primeiro caso a ansiedade intensifica a dor…no segundo caso, a dor intensifica a ansiedade.
Como referido, não é complicado diferenciar as situações, mas existem exceções…
Como diz o provérbio português: “ Na medicina e no amor, nem sempre, nem nunca.”
Quais são os sintomas físicos da ansiedade?
A ansiedade é composta por sintomas psicológicos e físicos.
Foquemos os sintomas físicos. Os sintomas mais típicos são:
- Frequência cardíaca aumentada (Taquicardia);
- Palpitações;
- Suores profusos (Hipersudorese);
- Náuseas;
- Tonturas.
No entanto, um grande número de pessoas também sente:
- Formigueiros nas pernas, nos braços, etc;
- Fraqueza, falta de força;
- E…como falado, dor no peito.
Os sintomas que o doente vivencia variam de acordo com o nível de ansiedade e da forma como reage a esta situação.
Qual a causa da dor na ansiedade?
Em primeiro lugar, este artigo não desaconselha visitar o médico caso tenha este sintoma, mesmo que provavelmente seja apenas ansiedade. Esta recomendação é ainda mais importante se existirem fatores de risco cardiovasculares (história familiar de problemas de coração, ser homem, ter mais de 50 anos, fumador, diabético, colesterol aumentado, sedentário…algo a ser falado num outro artigo).
Além disso, visitar o médico e obter confirmação da origem da dor , vai ficar menos preocupado e a dor tenderá a desaparecer mais rapidamente.
Formas pelas quais a ansiedade ou ataques de pânico podem causar dor no peito.
Hiperventilação – principalmente nos ataques de pânico (saiba mais). A respiração com frequência aumentada pode levar a um “desgaste” dos músculos intercostais (músculos que ficam entre as costelas). Além disso, a hiperventilação diminui o CO2 presente no sangue, levando a uma contração dos vasos sanguíneos, o que leva a um menor afluxo de sangue para os músculos. Estes dois fatores aumentam a produção de ácido lático, o que provoca dor.
Ácido no estômago – numa situação de ansiedade, existe maior produção de ácido no estômago. O excesso de produção de ácido pode provocar dor de estomâgo, que é muitas vezes sentida na região torácica e confundida com a dor cardíaca.
Distensão abdominal – Como descrito, pessoas ansiosas tendem a hiperventilar e a engolir mais ar, o que leva a distensão abdominal. Esta distensão pode pressionar a região torácica, provocando dor nessa zona.
Psicossomático – significa que o problema psicológico é a única origem das manifestações físicas do doente.
Existe alguma resistência em aceitar esta ideia… Lembre-se, se for o seu caso, que os profissionais de saúde sabem que a dor que você sente existe mesmo!
A dor está lá!
Você não está a inventar nada!
No entanto, em termos orgânicos, não existe problema nenhum. De forma resumida, a mente convenceu o corpo que existe um problema físico.
Dor de origem ansiosa Vs Dor cardíaca
Dor de origem ansiosa
1 – Mais fácil de localizar – se o médico perguntar: “onde é a dor?” – o doente irá apontar para um sítio específico, normalmente próximo da região cardíaca.
2 – Não costuma “irradiar ” – se o médico perguntar: “a dor localiza-se apenas neste ponto?“- o doente tende a confirmar.
3 – O tipo de dor é diferente – costuma ser uma dor tipo pontada (facada), que agrava com a inspiração.
4 – Ao exame físico, ao fazer palpação da região, a dor costuma aumentar de intensidade (é reprodutível).
5 – A duração da dor costuma ser inferior a 10 minutos por episódio.
6 – Pode ser acompanhada por falta de ar, tonturas e formigueiros nas mãos e pés.
Dor cardíaca
1 – Mais difícil de localizar – se o médico perguntar “onde é a dor?“, o doente não consegue apontar o sítio exato, mas normalmente aponta para o esterno.
2 – O tipo de dor é diferente – é uma dor em aperto. Doente descreve como alguém lhe estivesse a apertar o coração. Muitas vezes, fecha mesmo a mão sobre o esterno.
3 – A dor tende a irradiar – não se localiza apenas no peito, mas também pode sentir-se em ambos os braços, ombros, pescoço e mesmo a nível da mandíbula.
4 – Tende a durar mais do que 10 minutos.
O descrito acima não é uma verdade absoluta, não é preto e branco. Infelizmente, existem muitas zonas cinzentas em que os sintomas de ansiedade e de ataque cardíaco se confundem. Daí a importância de uma boa história clínica e exame físico. Caso existam dúvidas, a realização de um eletrocardiograma e marcadores cardíacos confirmarão (na grande maioria dos casos), se existe ou não um problema no coração.
Como reduzir a ansiedade e dor no peito
A melhor forma de controlar a dor é, obviamente, através da redução da ansiedade.
Quanto menos ansiedade experienciar, menos episódios de dor surgirão.
Se estiver ansioso, experimente o seguinte:
Controle a respiração
Esteja ou não a hiperventilar, controlar a respiração é uma forma de diminuir a ansiedade. Inspire de forma calma e profunda. Cada ciclo respiratório (inspiração + expiração) deve demorar pelo menos 15 segundos.
Controle os seus pensamentos
Visitar o médico e assegurar-se que não existe um problema cardíaco é uma solução para ficar mais calmo. Desta forma, evita a espiral de ansiedade descontrolada provocada pela dor ( Será alguma coisa grave?Será um ataque cardíaco?…)
Controle o seu ambiente
A dor agrava quando se foca apenas nesse sintoma. Arranje um passatempo, faça exercício, saia com os amigos. Com a distração, irá perceber que esta vai diminuir ou mesmo desaparecer.
Estas técnicas não eliminam a ansiedade a longo prazo. São técnicas de alívio de sintomas.
Para tratamento da ansiedade, necessita de ajuda profissional.
– Dr. João Júlio Cerqueira – Especialista de Medicina Geral e Familiar –