Introdução
Diz o ditado chinês que o segredo da longevidade está em “comer pela metade, exercitar em dobro e sorrir o triplo”.
Este ditado tem cerca de 3000 anos e não está longe da verdade…
Um estudo feito em gémeos descobriu que os nossos genes controlam apenas 10% do nosso potencial para viver mais ou menos tempo (dentro de certos limites biológicos).
E os outros 90%? Esses são ditados pelo nosso estilo de vida…
Então, talvez seja possível descobrir um “estilo de vida ideal” que nos permita viver mais tempo dentro das nossas limitações genéticas!
Tem havido muita confusão sobre qual será este estilo de vida. Desde dietas incríveis, a gurus da televisão que dizem conhecer essa fórmula, a produtos milagrosos vendidos pela televisão e internet…em todo o lado vemos alguém a dizer que possui o segredo para você viver até aos 100 anos. No entanto, a maioria não tem fundamento.
A verdade é que hoje em dia, apenas 1 em cada 5000 pessoas irá viver até aos 100 anos (apesar deste número estar a aumentar rapidamente).
Mas porque é que não vivemos todos até aos 100 anos?
Porque nós não estamos programados para viver tanto tempo. Assim como todos os seres vivos, o nosso objetivo é atingir o “sucesso procriativo”. Ou seja, sobreviver até à idade adulta, procriar com sucesso e garantir desta forma a passagem dos nossos genes para a geração seguinte.
Então e os tratamentos para viver mais tempo?
Não existe tratamentos para viver mais tempo…isso é um mito.
De fato, não é possível parar ou reverter o envelhecimento…pelo menos não com a ciência disponível hoje!
Se você perder células cerebrais (privação de oxigénio, acidente vascular cerebral, etc), ou se a sua cartilagem do joelho, da anca, do ombro for danificada, não é possível regenerá-la. Sempre que as nossas células se dividem para formar novas células, elas envelhecem um bocadinho (isto porque existe uma parte dos cromossomas, os telómeros, que se vão encurtando a cada divisão celular e a cada replicação surgem erros no ADN que não são corrigidos, apesar do organismo ter mecanismos reguladores).
Mas não há nada que possa fazer para atrasar o envelhecimento?
Então para quê ler este artigo!?
A ciência diz-nos que é possível viver até aos 90 anos com qualidade de vida…hoje em dia, a esperança médica de vida ronda os 78 anos (dependendo do país). O que significa que ainda não atingimos o nosso potencial…mais importante, ainda não atingimos o nosso potencial em termos de QUALIDADE DE ANOS VIVIDOS. De que adianta chegar aos 120 anos, se não tivermos um corpo que nos permita tirar proveito disso? Mas é possível chegar aos 90 anos livres de doenças crónicas como a diabetes, a hipertensão, o Alzheimer e cancro, seguindo algumas recomendações.
Que recomendações?
Em alguns lugares no mundo existe uma percentagem de pessoas com mais de 100 anos 10x superior à média dos países desenvolvidos! Essas povoações foram estudadas no sentido de perceber o que é que fazem de diferente. Porque é que vivem mais tempo?
As lições de Barbagia
Em Itália, na ilha da Sardenha existe uma região (Barbagia), onde estão os homens com maior longevidade no mundo inteiro, com 10x mais centenários que nos países desenvolvidos. Nesta região, as pessoas não vivem “apenas” até aos 100 anos, mas fazem-no com qualidade de vida.
É uma região que está relativamente isolada, onde a maioria da população vive da pastorícia (criação de gado), o que obriga a um exercício físico constante, de baixa intensidade. A alimentação deles é principalmente à base de vegetais, pão integral sem fermento e queijo de cabra fermentado altamente rico em Omega 3.
O vinho que produzem e consomem contém três vezes mais polifenóis que o vinho de outras regiões do mundo, chamado Cannonau.
No entanto, o verdadeiro segredo desta longevidade parece ser a organização desta sociedade e a forma como as pessoas mais velhas são tratadas.
Enquanto nas sociedades ocidentais tendemos a descartar os idosos, naquela região da Sardenha, quanto mais velha é a pessoa, mais valor tem, dando grande relevância à sua sabedoria.
O idoso está completamente integrado na família, próximo dos seus filhos e netos, o que lhe dá, em média, 4 a 6 anos de vida extra. Esta proximidade também parece trazer vantagens para as crianças, que apresentam taxas de mortalidade infantil menores e têm menos doenças infeciosas.
As lições de Okinawa
A sul de Tóquio, em Okinawa, vive a população feminina mais velha do mundo, mais uma vez, com grande qualidade de vida.
Nesta zona existe, em média, 5x mais mulheres centenárias e têm apenas 1/5 de cancros do intestino e da mama e 1/6 de de doenças cardiovasculares, quando comparados com os países desenvolvidos.
O que é que eles fazem?
Mais uma vez, têm uma dieta à base de vegetais. E não é só o que comem, mas como comem. Eles têm estratégias que impedem os excessos alimentares:
- Comem em pratos menores;
- A panela não vai para a mesa – servem os pratos e colocam a comida que resta, longe do olhar.
- Comem até ter 80% do estômago cheio. Isto porque demora cerca de 30 minutos ao estomâgo, informar o cérebro, que já não é preciso comer mais. E ao parar aos 80%, eles eliminam esse atraso, o que impede que comam em demasia.
Mas mais uma vez, como em Nuoro, a organização da sociedade é diferente…
O isolamento não é bom para a longevidade…e em Okinawa, quando alguém nasce, nasce automaticamente com seis amigos, que o vão acompanhar para toda a vida…
Chama-se um Moai. Quando se faz parte de um Moai, espera-se que você compartilhe a sua sorte com os seus companheiros. E se algo correr mal, os seus companheiros estarão lá para o ajudar.
Além disso, nesta sociedade não existe “reforma” ou “aposentadoria”…não existe a pessoa extremamente ativa e produtiva até aos 65 anos que depois “descansa”. Nesta sociedade, este conceito foi substituído pelo Ikigai, que pode ser traduzido como “a razão pela qual se levanta de manhã”.
É importante ter um objetivo, uma motivação. Seja cuidar dos netos ou regar as plantas, ter um Ikigai, uma razão de viver, é algo a ser cultivado para quem quer viver mais tempo.
As lições dos Adventistas de Sétimo Dia
O estilo de vida dos adventistas de sétimo dia parece trazer ganhos de esperança média de vida de cerca de 9 a 11 anos, em comparação com as sociedades ocidentais.
Os adventistas de sétimo dia são um grupo conservador, muito heterogéneo, composto por pessoas de raça branca, negra, hispânica, asiática, que segue regras simples, retiradas diretamente da bíblia.
1 – A sua alimentação é, mais uma vez, composta em grande parte por vegetais e sementes.
2 – Durante 24 horas, todas as semanas, não interessa o quão ocupados estão, o quanto stressados, o trabalho que têm em atraso, eles param tudo e focam-se na sua rede social e na sua religião, que muitas vezes estão interligadas.
3 – Durante o tempo livre, tendem a realizar actividades físicas ao ar livre, como dar caminhadas, o que introduz uma prática de exercício físico rotineira nas suas vidas.
4 – Os adventistas saem com outros adventistas, o que reforça bilateralmente os comportamentos saudáveis descritos anteriormente.
Então quais são os denominadores comuns?
1 – Introduza o exercício físico no seu dia-a-dia…nenhuma das culturas descritas anteriormente tem como hábito ir para o ginásio levantar pesos, correr maratonas ou fazer escaladas de montanha. O exercício físico está incorporado no seu estilo de vida; fazem jardinagem e cuidam da casa sem recursos a “facilitadores”.
2 – Descubra o seu Ikigai – Saber qual o seu propósito poderá valer-lhe mais de 7 anos de vida.
3 – Arranje tempo para si – por mais acelerada seja a sua vida, tire alguns minutos por dia, algumas horas por semana para diminuir a intensidade a que o mundo nos obriga a trabalhar.
4 – Lembre-se da regra dos 80% – Coma em pratos mais pequenos e diminua o tamanho das refeições principalmente à noite.
5 – Inclua mais vegetais e frutas na sua alimentação quotidiana. Reduza o consumo de carnes vermelhas.
6 – Pode introduzir 1 a 2 copos de vinho tinto por dia, acompanhando uma refeição agradável.
7 – Faça parte de um grupo, de uma comunidade. Quem o faz poderá viver mais 4 a 14 anos de esperança de vida.
8 – A família primeiro. As pessoas que vivem mais tempo põem a família em primeiro lugar. Mantenha os pais e os avós por perto (o que também diminui a mortalidade e doenças nas crianças). Comprometa-se com uma parceira para a vida (o que pode dar mais 3 anos de esperança de vida) e investa nos seus filhos (o que aumenta a probabilidade dos filhos tratarem de si quando precisar).
9 – Escolha bem os seus amigos – as pessoas que vivem mais tempo têm um grupo social que o apoia em caso de necessidade e reforça os seus comportamentos saudáveis. O tabaco, a obesidade, a infelicidade e a solidão são “contagiosos”, portanto, as pessoas certas podem modificar a sua saúde, só pela proximidade.
Relembro que dispomos de equipas de apoio domiciliário, caso algum dia necessite.
Este artigo foi baseado no estudo Blue Zones.
– Dr. João Júlio Cerqueira – Especialista de Medicina Geral e Familiar –