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Doutor, o Meu Filho está com Diarreia…e agora?

Introdução

A diarreia aguda infecciosa (DAI) ou gastroenterite aguda é uma das principais causas de doença e hospitalização nas crianças, em todos os países do mundo.

Nos países em desenvolvimento, ainda é uma causa de morte importante, apesar de nos países desenvolvidos isso ser extremamente raro.

O sintoma principal da gastroenterite aguda é a diarreia, que se define como o aumento da frequência das dejecções e diminuição da consistência das fezes. Isto acontece porque o intestino é agredido por um agente externo e em vez de absorver água e alimentos, faz o inverso…excreta água e outras substâncias para o lúmen intestinal, levando ao aparecimento dos sintomas descritos. Muitas vezes a gastroenterite apresenta-se com vómitos ou mesmo febre associada.

É habitualmente uma doença com duração limitada. No entanto, existe o risco do doente ficar desidratado ou desnutrido. As crianças, em geral, estão em maior risco de desidratação, visto que a reciclagem da água é mais rápida

Causas da Gastroenterite Aguda

Embora as infeções sejam, de longe, a causa mais frequente de diarreia aguda na idade pediátrica, há que ter presente outras causas, nomeadamente aquelas que podem pôr em risco a vida, como a invaginação intestinal (Quadro 1):

Quadro 1 – Possíveis causas da diarreia aguda infantil

CAUSA EXEMPLO
 Infecciosa Viral, bacteriana, parasitária
Cirúrgica Apendicite, invaginação, oclusão intestinal, sínd. intestino curto
Doença sistémica Hipertiroidismo, Imunodeficiência
Medicamentosa Antibióticos
Inflamação Doença intestinal inflamatória, D. Hirschprung
Alergia ou intolerância alimentar Intolerância à lactose, Alergia às proteínas do leite de vaca
Malabsorção Fibrose quística, doença celíaca
Outros Toxinas,  Síndrome do cólon irritável

A gastroenterite aguda pode também conduzir a má absorção de proteínas e de hidratos de carbono. Esta alteração é transitória. No entanto, é importante os pais iniciarem a realimentação precoce, logo após o período de reidratação, porque uma dieta pobre em proteínas e calorias aumenta o risco de malnutrição, o que poderá prolongar a duração da doença.

Na maioria dos casos, a causa da gastroenterite é uma “virose”, como se pode verificar no Quadro 2. As gastroenterites provocadas por toxinas são, mais frequentemente, de causa bacteriana.

Quadro 2 – Etiologia da gastroenterite aguda nos países temperados

Viral – 50 a 80%  Rotavírus
Adenovírus
Coronavírus
Astrovírus
Bacteriana – 5 a 10% Salmonella
Escherichia coli
Campylobacter jejuni
Shigella
Yersínia
Outros – 1% Giardia intestinalis
Entamoeba histolytica
Candida albicans

Quando nos Devemos Preocupar?

O principal risco da grastroenterite é a desidratação. O risco está relacionado com:

– A idade da criança – em crianças com idade inferior a 12 meses devemos estar mais atentos;

– O tipo de aleitamento – crianças com aleitamento artificial tem maior risco de desidratarem; Além disso, o aleitamento materno confere factores de resistência à infecção.

– O estado de nutrição da criança – uma criança que já apresenta fragilidades nutricionais tem maior risco de desidratar em comparação com as crianças bem nutridas;

– A gravidade da diarreia – se a criança apresentar mais do que 8 episódios de diarreia por dia, devemos estar mais atentos à desidratação;

– Vómitos asssociados – este é um verdadeiro problema, porque se a criança tem diarreia e vómitos, perdemos a principal via para hidratar a criança (via oral). Portanto, sem uma criança tiver mais do que 2 vómitos por dia, devemos considerar seriamente em levá-la ao médico.

– Existência de febre associada – aumenta o risco de desidratação.

Como Avaliar a Desidratação da Criança?

É importante ter uma ideia do grau de desidratação da criança…sabendo isso, podemos ter diferentes atitudes perante esta doença: ficar mais descansados ou então, optar por consultar o médico assistente. No quadro 3, deixamos uma forma subjetiva de avaliar a desidratação.

Quadro 3 –Avaliar o Grau de desidratação

LIGEIRA MODERADA GRAVE
% de perda (aguda, em 24-48h) de peso corporal < 5 5-10 > 10
Estado geral Bom, Alerta Irritado Letárgico ou Inconsciente
Sede Normal Sedento Dificuldade em beber
Olhos Normais Encovados Muito encovados
Mucosas Húmidas Secas Muito Secas
Pele Sem prega cutânea Prega cutânea Prega cutânea acentuada

Na imagem abaixo é possível perceber como avaliar a pele e se existe ou não a chamada prega cutânea. Se pinçarmos a pele e largarmos de seguida, nas crianças desidratadas verifica-se que no local do pinçamento fica uma prega. Isto significa que existe um grau de desidratação moderado a grave.

Avaliação da prega cutanea

Tratamento

Depois de avaliado o estado de hidratação da criança, é possível decidir como e onde tratar.

Nos casos que se acompanham de desidratação ligeira a moderada, a terapêutica pode ser efectuada em casa e visa não só a correcção e prevenção da desidratação, mas também a realimentação.

Nos casos ligeiros, basta hidratar a criança com água, em pequenas porções, várias vezes ao longo do dia – a este procedimento chama-se hidratação oral fracionada.

Nos casos ligeiros a moderados, devemos optar pela utilização de solutos glucoelectrolíticos ou soros de reidratação oral (SRO) em vez da água. Estes compostos, ricos em sódio e glucose, permitem uma melhor absorção da água pelo organismo.  A absorção intestinal de sódio é facilitada pela presença simultânea de glicose no lúmen intestinal; o sódio absorvido leva consigo a água. A descoberta, nos anos 60, dos solutos glucoelectrolíticos, assim como a sua utilização em larga escala, foi e continua a ser responsável por um declínio importante da mortalidade associada à desidratação, principalmente nos países subdesenvolvidos.

Assim, a prevenção da desidratação pode e deve ser iniciada pelos pais e pelos prestadores de cuidados às crianças, logo que se instalem os primeiros sinais de doença. Em 2001, a ESPGHAN definiu os “SEIS PILARES DA TERAPÊUTICA CORRECTA DA GASTROENTERITE AGUDA”, a aplicar no fora dos hospitais e centros de saúde, nos casos acompanhados de desidratação ligeira a moderada:

1. Corrigir a desidratação estimada, em 3-4 horas, utilizando soluções de reidratação oral. A utilização da via oral é o ideal, visto que o transporte intestinal de água, glucose e electrólitos está mantido. A quantidade de solução a administrar é correspondente à perda de peso. Por exemplo: uma criança de 10 Kg com 5% de desidratação perdeu 500g, logo, deve beber 500ml de SRO em 4 horas.

2. Utilizar soluções de reidratação oral hiposmolares (Na-60mmol/L, glucose-74-111 mmol/L). Sabe-se hoje que as diarreias dos países desenvolvidos estão associadas a perdas de sódio entre os 30 e os 60 mmol/L; uma ingestão superior de sódio pode agravar o quadro clínico. Não se recomenda a utilização de preparados caseiros ou bebidas gaseificadas, por conterem muito pouco sódio e demasiado açúcar, podendo assim agravar o quadro clínico.

3. Nunca suspender o aleitamento materno.

4. Reiniciar a alimentação precocemente, no final das 4 horas de reidratação, com a dieta habitual da criança. Como foi dito, a utilização de dieta baixa em proteínas e hidratos de carbono agrava a desnutrição, prolongando o quadro clínico. Nos lactentes bem nutridos, a reconstituição das fórmulas deve ser a habitual, a menos que surjam sinais de intolerância. Apenas nos pequenos lactentes malnutridos ou com desidratação mais grave se aconselha a diluição das fórmulas, durante 24 horas.

5. Prevenir a recorrência da desidratação, suplementando com soluções de reidratação oral (devemos dar 10ml/Kg/dejecção diarreica). Depois de reidratada, a criança deve beber líquidos livremente (SRO, água ou leite). Os refrigerantes, bebidas açucaradas ou bebidas para desportistas não estão indicados.

6. Não administrar medicação desnecessária. A utilização de antieméticos (medicação que previne o vómito)  deve ser criteriosa. A utilização de antidiarreicos não está recomendada porque não são eficazes e podem ter efeitos nocivos. O uso de probióticos é, ainda, controverso, apesar de os últimos estudos demonstrarem uma redução em cerca de 24 horas da duração do episódio de gastroenterite.

A prescrição de antimicrobianos só está indicada nos casos de doença invasiva por:

  • Salmonella typhi;
  • Shigella;
  • Amebíase;
  • Giardíase.

Poderá ser considerada em casos particulares (lactentes com menos de 6 meses, malnutridos, imunodeprimidos ou portadores de doença sistémica grave).

Relativamente aos antipiréticos/analgésicos, deve ser preferido o paracetamol, por via oral, nas doses recomendadas ao peso da criança.

Quando Recorrer à Urgência?

Têm indicação de referência a uma unidade hospitalar, para avaliação e eventual terapêutica endovenosa, as seguintes situações:

  • Desidratação moderada ou grave;
  • Falência da hidratação oral:
  • Por incapacidade de administração por parte dos pais;
  • Por intolerância da criança (manutenção dos vómitos, ingestão insuficiente ou recusa de ingestão);
  • Por agravamento do quadro clínico, com mais episódios de diarreia e maior desidratação, apesar da reidratação correcta;
  • Idade inferior a 3 meses;
  • Mau estado geral;
  • Doença de base;
  • Pais não se sentem seguros acerca do estado da criança ou como realizar o tratamento.

Resumindo

1. A causa da diarreia aguda infecciosa é quase sempre vírica.

2. É uma doença autolimitada, que dura, em regra, 3 a 5 dias;

3. Os casos com desidratação ligeira ou moderada, sem factores de risco, tratam-se fora do hospital;

4. A terapêutica baseia-se na utilização de água (se desidratação ligeira) ou soros de reidratação oral (se desidratação ligeira a moderada);

5. A realimentação deve ser precoce e com o regime habitual da criança;

6. A utilização de antibióticos ou antieméticos (medicação para os vómitos) devem ser feita de forma criteriosa;

7. Recordar sinais de desidratação Retomar a alimentação habitual logo que a desidratação esteja corrigida.

Cálculo das Necessidades Hídricas

Doses de manutenção da hidratação: 100 ml/kg pelos primeiros 10kg de peso 50 ml/kg pelos seguintes 10kg de peso 20 ml/kg pelos restantes  Por exemplo: Criança com 22 kg: (10x100mL) + (10x50mL) + (2x20mL)= 1540 ml/dia

Doses de compensação das perdas correntes: 10 ml/kg por vómito ou dejecção.

Se tiver dúvidas ou precisar de ajuda, nós vamos ter consigo! 

– Dr. João Júlio Cerqueira  Especialista de Medicina Geral e Familiar – 

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