Introdução
A infeção do trato urinário (ITU) é a segunda infeção mais comum na população geral, logo a seguir às infecções respiratórias.
Este problema afeta principalmente as mulheres, sendo que ao longo da sua vida 50% vão sofrer deste problema, constituíndo uma causa frequente de consulta nos cuidados de saúde primários.
Mas nem só as mulheres são afetadas. A ITU surge principalmente em:
- Crianças;
- Adultos jovens;
- Mulheres sexualmente ativas;
- Idosos.
Podemos afirmar que a frequência da ITU e a sua causa depende de vários fatores como a idade, o sexo e a existência de outras doenças, como a diabetes.
O trato urinário pode ser invadido por uma grande diversidade de microrganismos, tais como bactérias, vírus e fungos. Mas sem dúvida que a grande maioria dos casos corresponde à infecção por bactérias gram-negativas, como a Escherichia Coli (E. Coli)
As causas e fatores de risco da ITU são conhecidos e as estratégias atuais de prevenção destas infeções são reconhecidamente eficazes. No entanto, as suas caraterísticas, habitualmente “leves” e associadas à ausência de complicações, transformam este num problema social, levantando questões importantes no que diz respeito ao consumo de antibióticos e aparecimento de bactérias multirresistentes.
Sistema urinário
O sistema urinário é constituído pelos órgãos uropoéticos, isto é, incumbidos de elaborar a urina e armazená-la temporariamente até a oportunidade de ser eliminada para o exterior. Na urina encontramos ácido úrico, ureia, sódio, potássio, bicarbonato, etc.
Este aparelho pode ser dividido em órgãos secretores – que produzem a urina – e órgãos excretores – que são encarregados de processar a drenagem da urina para fora do corpo.
Os órgãos urinários compreendem os rins (que produzem a urina), os ureteres ou ductos, que transportam a urina para a bexiga, onde fica retida por algum tempo, e a uretra (através da qual a urina é expelida do corpo).
Como vimos, a urina é produzida nos rins, as restantes estruturas do sistema urinário funcionam como um “meio de transporte”. Essas estruturas – ureteres, bexiga e uretra – não modificam a urina ao longo do caminho, elas apenas a armazenam e conduzem para o meio externo, exactamente com as mesmas características que possuía aquando da sua génese no rim.
Quanto à classificação trato urinário baixo (inferior) e alto (superior), importa clarificar que o trato urinário baixo se refere à uretra e bexiga enquanto o alto aos rins e ureteres.
Infeção do trato urinário
O trato urinário, quer alto quer baixo, é estéril, isto é, livre de qualquer microorganismo, absolutamente “limpo”.
A infeção urinária surge quando, por alguma razão, um microrganismo alcança as vias urinárias, incluindo-se bexiga, próstata, sistema coletor ou rins. O nome específico da infeção deriva do local onde ela ocorre. Vejamos, quando a infecção ocorre na bexiga é chamada de cistite ou infecção da bexiga. Quando ocorre nos rins chama-se pielonefrite ou infeção renal, se acontecer na uretra (tubo que drena a urina da bexiga para fora do corpo) é chamada de uretrite.
As ITU classificam-se em função da sua localização (ITU do tracto inferior versus tracto superior), manifestação clínica (bacteriúria assintomática versus infeção sintomática) e complicações associadas.
Habitualmente, as cistites são infecções não complicadas enquanto as pielonefrites são mais complicadas, pois em geral resultam da ascensão de microrganismos do trato urinário inferior e estão frequentemente associadas à presença de cálculos renais (litíase renal).
Causas e fatores de risco
A infecção urinária é causada por microorganismos, em geral bactérias que entram pela uretra e chegam até a bexiga. Isso pode levar a uma infecção, mais comumente na própria bexiga, que pode propagar-se até aos rins.
Na maioria das vezes, o corpo consegue eliminar as bactérias. Porém, quando isso não acontece, desenvolvemos uma ITU.
As causas são complexas e são influenciadas por factores biológicos e comportamentais do hospedeiro, em relação a estes últimos, por exemplo, um estado de stress e ansiedade pode aumentar o risco de desenvolvimento de ITU.
Ser mulher constitui, por si só, um fator de maior probabilidade do aparecimento desta condição. O predomínio das ITU no género feminino permanece durante a idade adulta, com picos de maior incidência no início da atividade sexual ou relacionado com esta (ex. gestação e menopausa) de modo que 50 % das mulheres apresentam pelo menos um episódio de ITU ao longo da vida.
A maior susceptibilidade do género feminino às ITU deve-se ao facto da uretra ser mais curta (mede cerca de 4cm enquanto a masculina mede cerca de 20 cm) e à maior proximidade do ânus com o vestíbulo vaginal e uretra. O pequeno comprimento da uretra, a colonização da região perineal com bactérias gram-negativas e a introdução de agentes durante as relações sexuais favorecem a ascensão do microorganismo até ao trato urinário.
No homem, o maior comprimento uretral, maior fluxo urinário e as substâncias antibacterianas libertadas pela próstata são factores protectores.
Efetivamente, a prevalência e a etiologia das ITU dependem de factores como: idade, género, a existência de patologias de base, tais como a diabetes entre outros:
- Obstrução do trato urinário;
- Problemas de esvaziamento da bexiga (retenção urinária);
- Cateterização do trato urinário, ou seja, inserção de sonda vesical (algália);
- Gravidez;
- Menopausa;
- Atividade Sexual;
- Idade avançada (principalmente para pessoas institucionalizadas);
- Incontinência fecal;
- Aumento da próstata, estreitamento de uretra ou qualquer coisa que bloqueie o fluxo da urina;
- Litíase renal (pedra nos rins);
- Sedentarismo;
- Cirurgia ou outro procedimento que envolva o trato urinário.
Consideremos agora alguns mais especificamente:
Obstrução do trato urinário
A estase urinária leva a condições propícias para a proliferação bacteriana e a própria distensão vesical reduz a capacidade bactericida da mucosa da bexiga.
Existe várias causas para a obstrução urinária, sendo a lítiase renal uma das principais.
Cateterização urinária
A sonda vesical predispõe à bacteriúria (presença de bactérias na urina) geralmente assintomática. Além de facilitar o seu crescimento, algumas bactérias produzem uma matriz de polissacarídeos ou “biofilme” na sonda vesical que as envolve e protege das defesas do hospedeiro e dos antibióticos utilizados. Adicionalmente, a presença de germes neste biofilme cria um ambiente favorável à formação de incrustações na superfície interna do cateter, levando à sua obstrução.
Gravidez
A ITU durante a gravidez está associada a um maior índice de prematuridade, baixo peso e mortalidade perinatal, além de maior morbilidade materna. As alterações mecânicas e fisiológicas da gravidez que contribuem para ITU incluem:
- Dilatação pélvica;
- Aumento do tamanho renal (1 cm);
- Modificação da posição da bexiga que se torna um órgão abdominal e não pélvico;
- Relaxamento da musculatura lisa da bexiga e uréter, com aumento da capacidade vesical (mecanismo mediado por hormonas como a progesterona).
Menopausa
A falta de estrogénio que se verifica na menopausa, pode causar o enfraquecimento dos músculos que controlam a bexiga e o aumento do pH vaginal, tornando-a num local propício ao crescimento de bactérias Gram-Negativas que posteriormente migram para o aparelho urinário e causam ITU.
Diabetes Mellitus
Existem várias alterações nos mecanismos de defesa do hospedeiro diabético, que o tornam mais susceptível às complicações decorrentes de ITU tais como:
- Diminuição da função protectora dos leucócitos devido ao ambiente hiperosmolar;
- Doença microvascular que leva à isquemia tecidual local e fraca mobilização leucocitária;
- A neuropatia vesical (bexiga neurogénica).
O papel da glicose na urina ainda é muito discutido não tendo sido comprovada a sua associação com maior colonização bacteriana.
Atividade Sexual/Métodos contracetivos
A associação entre atividade sexual e cistite aguda (historicamente “cistite da lua de mel”), devido à bacteriúria pós-coito, está bem estabelecida.
A atividade sexual facilita a transmissão dos microrganismos instalados na uretra inicial para a cavidade vesical. Este risco aumenta 3-5 vezes nas mulheres que têm cinco relações semanais, comparando com aquelas que têm uma única relação semanal.
Quanto aos métodos contracetivos, a presença do diafragma pode levar a uma discreta obstrução uretral que não parece estar associada a maior risco de infeção. No entanto, quando associada com uso de espermicidas, pode levar a alterações do pH e da flora vaginal (perda dos lactobacilos que mantêm a acidez do pH vaginal) que podem favorecer o crescimento e colonização de bactérias gram-negativas que posteriormente migram para o trato urinário.
O uso de preservativos só propícia ITU quando contém espermicidas.
Prostatismo
A ocorrência de hipertrofia prostática benigna ou do carcinoma da próstata levam a uma situação de obstrução do fluxo urinário com consequente esvaziamento vesical incompleto. Nestes casos a ITU decorre da presença de urina residual e também da necessidade mais frequente de cateterização urinária.
Idade avançada
A frequência de ITUs aumenta com a idade em ambos os sexos.
No homem idoso, além da doença prostática e suas implicações, a ITU pode decorrer do estreitamento uretral e outras anomalias anatómicas.
Na mulher idosa, além da menopausa, alterações anatomo-funcionais da bexiga relacionadas ou não à multiparidade, como cistocele (bexiga caída), acabam por também aumentar a ocorrência de ITUs nesta faixa etária.
A própria infeção urinária e microrganismos associados, como E. coli, levam à redução da pressão esfincteriana resultando em incontinência urinária. Para ambos os géneros, a presença de patologias coexistentes como diabetes, acidentes vasculares cerebrais, demência, alterações na resposta imune, hospitalizações e/ou instrumentalização tornam as ITUs mais prevalente nesta faixa etária.
Sinais e sintomas
Dentre as manifestações clínicas observadas em infeções do trato urinário estão:
- Dor e ardência ao urinar;
- Dificuldade para iniciar a micção;
- Urgência micional (necessidade urgente de urinar);
- Vontade de urinar diversas vezes ao dia e em pequenas quantidades;
- Urina com mau odor e coloração alterada;
- Hematúria (urina com sangue) em certos casos.
Quando a infeção alcança o rim, o quadro é mais preocupante, podendo o paciente apresentar:
- Febre;
- Calafrios;
- Dor lombar que pode irradiar para os flancos, abdómen e virilha;
- Náuseas e vómitos;
- Diarreia, apesar de não ser frequente.
O diagnóstico é feito com base no quadro clínico apresentado pelo paciente, juntamente com exame de urina, o qual pode evidenciar a presença de leucocitúria, nitritos, presença de sangue, entre outros sinais que auxiliam no diagnóstico. A urocultura também pode ser solicitada, sendo que esta ajuda na identificação da bactéria causadora da infeção.
Atenção aos sinais e sintomas em crianças e idosos
As infeções urinárias na infância são comuns, muitas vezes assintomáticas ou apresentando sintomas inespecíficos. Nestas idades assegurar um diagnóstico clínico é particularmente difícil. Deve-se suspeitar de ITU em qualquer criança em que a história e o exame clínico não revelem um foco infecioso principalmente em lactentes com febre.
A febre é a manifestação mais comum de infeção urinária durante os primeiros anos de vida, assim como apatia, perda de peso, problemas de desenvolvimento, vómitos e diarreia, dores abdominais, alterações do jato urinário (jato fraco ou gotejante são importantes, sobretudo nos meninos).
Os sinais de localização da infecção (dor hipogástrica, disúria, polaquiúria, retenção urinaria) não aparecem frequentemente antes dos 3 ou 4 anos de idade.
De ressalvar que também os pacientes idosos podem apresentar sintomas pouco característicos de infeção urinária. Assim, normalmente os quadros de pielonefrite aguda manifestam-se por síndrome confusional agudo, sintomas gastrointestinais, dores abdominais incaraterísticas, náuseas e vómitos. A febre pode estar ausente, assim como a leucocitose, devido à resposta imunológica no idoso estar comprometida.
Prevenção e Tratamento
As grandes linhas do tratamento das infecções urinárias incluem:
- Tratamento antimicrobiano (antibiótico);
- Tratamento urológico, que remova, em caso disso, os factores predisponentes à infeção.
Quanto ao tratamento antimicrobiano, o antibiótico ideal será aquele mais adequado à bactéria em causa, com menos efeitos colaterais, de posologia cómoda e baixo custo. A dose e a duração do tratamento serão determinadas pelo médico, conforme as circunstâncias; eventualmente, em casos especiais de infeções recorrentes ou persistentes, poderá ter que se fazer um tratamento prolongado, de manutenção ou profilático, com baixa dose de um antimicrobiano seleccionado.
Os casos especiais da gravidez e da infância põem alguns problemas específicos na escolha do antibiótico, assim como as prostatites, devido a especificidades de entrada de alguns antibióticos na próstata.
Por seu lado, o tratamento urológico pode ser para eventual drenagem e/ou para remoção de fatores predisponentes, de manutenção e de agravamento, por exemplo correção de obstrução urinária, extração de cálculos renais, etc.. Também é fundamental a correcção de fatores gerais, como a imunodepressão e a diabetes.
Ainda assim, o melhor remédio é a PREVENÇÃO!
As medidas gerais no tratamento das infeções urinárias são um complemento importante deste e da sua prevenção, estimulando as defesas e melhorando os aspetos congestivos e irritativos locais.
Assim, aconselha-se:
- Aumento da ingestão hídrica – beber muita água e chás;
- Esvaziamento urinário frequente e completo (evitar reter urina);
- Evitar as situações de congestão pélvica, tais como:
- Viagens prolongadas, estar muito tempo sentado;
- Calças e cintas muito apertadas;
- Comidas e bebidas “irritantes”, como: condimentos, especiarias, álcool, bebidas ácidas ou alcalinas, etc.;
- Alterações do trânsito intestinal, como a obstipação;
- Alterações do foro ginecológico – relações sexuais traumatizantes.
- Aconselha-se a micção após o coito (urinar após as relações sexuais), nas mulheres com actividade sexual;
- Não utilizar antibióticos indiscriminadamente, sob pena de desenvolver bactéria multirresistentes;
- Cuidados gerais de higiene íntima, embora não excessivos.
Para as mulheres, outros cuidados também devem ser tomados, como:
- Limpar-se sempre de frente para trás (evitando assim arrastar microorganismos do ânus para a vagina);
- Lavar a região perianal depois de evacuar;
- Evitar o uso por longos períodos de tampão íntimo;
- Evitar o uso constante de roupas íntimas de tecido sintético.
Ainda assim, se o problema surgir não se esqueça que a PT Medical está aqui para o ajudar!
– Dr. João Júlio Cerqueira – Especialista em Medicina Geral e Familiar –
– Bruna Silva – Enfermeira –