Introdução
Existe uma “nova” tendência que tenta chamar a atenção da população para os malefícios do leite…
Segundo os apologistas desta tendência, o leite é desnecessário, não é natural e faz mal à saúde. E afirmam que a grande maioria da população mundial é intolerante ao leite.
Mas será isto verdade?
Primeiro argumento – “Beber leite na idade adulta não é natural! Apenas os seres humanos o fazem.”
O que é natural ou não é natural? É uma linha muito ténue, difícil de traçar…e também difícil de perceber os benefícios desta distinção.
Viver em casas com ar condicionado, conduzir veículos, enviar astronautas à lua, viajar de avião, toda a evolução tecnológica que temos vindo a assistir ao longo destas décadas também não poderá ser considerado natural…mas não consigo imaginar os defensores desta teoria a viver numa caverna, vestidos com peles de animais. Será a mesma coisa dizer que “só voa quem tem asas”…é uma visão redutora, simplista e nada inteligente de quem apoia este tipo de argumentos.
E se seguirmos a evolução genética da população? Será natural ou não bebermos leite?
A tolerância à lactose é mais frequente na população em que os antepassados eram criadores de gado. Pelo contrário, nas populações em que não existia esse tipo de subsistência, como em África e na Ásia, a intolerância à lactose é muito frequente.
Estudos genéticos mostram-nos que as mutações genéticas associadas à tolerância à lactose (ou seja, à capacidade do ser humano produzir as enzimas necessárias para a degradação da lactose, o açúcar do leite), apenas atingiram níveis apreciáveis nos últimos 10.000 anos.
Em algumas populações, demorou apenas 3.000 anos até esses genes passassem da quase inexistência para a quase-universalidade. Três mil anos pode parecer muito tempo, mas quando consideramos este tipo de mudanças, podemos assumir que foram muito rápidas…e esta rápida evolução a favor dos portadores que apresentam o gene que consegue degradar a lactose, em detrimento dos que não têm o gene, demonstra um grande benefício em termos de sobrevivência.
A maioria da população Ocidental vive hoje sem grandes dificuldades de acesso a comida, seja ela leite ou outras fontes nutricionais. O que significa que para esta população, a capacidade de digerir ou não o leite tem pouco significado em termos de sobrevivência. Mas em termos evolutivos, a ideia de que beber leite não é “natural” fica completamente desfeita…aliás, é algo benéfico em termos de sobrevivência em tempos de escassez de outro tipo de alimentos.
Segundo argumento – “O leite de vaca é a principal causa de alergias nos bebés e crianças!”
É verdade que alguns bebés e crianças são alérgicos às proteínas do leite. Aliás, 90% das reações alérgicas nas crianças devem-se a oito alimentos: leite, ovos, amendoins, nozes, soja, trigo, peixe e marisco. Sendo isto verdade, não significa que o leite seja o causador ou venha a despoletar outro tipo de alergias nas crianças, como querem fazer crer. Beber leite não aumenta o risco de ter asma, rinite alérgica, dermatite atópica, ou outro tipo de alergias.
Terceiro Argumento – “Beber leite causa cancro!”
Surgiu a ideia que o leite poderia causar cancro, principalmente aumentar o risco do cancro do ovário nos consumidores de grandes quantidades de latinícios. Apesar de alguns estudos científicos demonstrarem essa relação, outros estudos contradizem esses achados. Relativamente ao cancro do ovário, uma meta-análise de 2005 demonstra que essa associação não existe.
Parece, de facto, existir uma relação entre um grande consumo de leite ou cálcio e o surgimento de cancro da próstata. No entanto, existem estudos que demonstram uma diminuição de cancro colo-retal em quem consome muitos laticínios. Ou seja, como todos os alimentos conhecidos, o leite apresenta vantagens e desvantagens no seu consumo. Não parece que o seu consumo regular, de forma equilibrada, vá trazer grandes malefícios nesta área.
Poderá até trazer benefícios na diabetes e doenças cardiovasculares…vários estudos observaram a relação entre o consumo de laticínios e o surgimento destas doenças. Um artigo que sumaria a evidência científica existente aponta não para um aumento destes problemas de saúde, mas para uma redução da mortalidade geral, de ataques cardíacos, acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e diabetes tipo 2 nas pessoas com um consumo aumentado de leite e derivados.
Quarto Argumento – “O Leite está cheio de Hormonas e Antibióticos!”
Poderá ser verdade, em alguns casos, apesar do leite passar por vários processos de controlo de qualidade, que existam quantidades apreciáveis de hormonas e antibióticos nestes alimentos…e também será verdade que os consumidores devem exigir um controlo rigoroso deste alimento, assim como dos restantes.
Se pensarmos que o leite está contaminado com este tipo de substâncias, teremos que considerar o seguinte:
– O marisco e o peixe do mar estão contaminados com grandes quantidades de metais pesados, como o mercúrio;
– O peixe e marisco de viveiro também são alimentados com antibióticos;
– A fruta e verduras estão contaminadas com pesticidas, inseticidas, fungicidas;
– A carne de animal está contaminada com hormonas e antibióticos;
– A água contém grandes quantidades de químicos, incluindo fármacos como a metformina e benzodiazepinas.
Ou seja…ou não comemos ou teremos que aceitar que a nossa forma de produzir alimentos mudou drasticamente nas últimas décadas…e mudou para pior em muitas situações, que devem ser identificadas e eliminadas ou reguladas…o leite é o menor dos seus problemas.
Conclusão
Há quem continue a tentar inventar a roda depois de já ter sido inventada, testada, ajustada e aperfeiçoada…e há sempre quem diga que a nossa roda é quadrada…a deles é que é redonda e perfeita. O objetivo nem sempre é claro, mas na maioria consegue-se decifrar:
– Pura Ignorância;
– Querem vender um produto;
– Querem vender-se a si próprios.
Quanto a este tema, o meu conselho é simples…nada substitui uma alimentação equilibrada. E quando se diz equilibrada, significa que se coma um bocadinho de todos os grupos presentes na roda dos alimentos, dando sempre prioridade aos legumes e às frutas…esta é a melhor roda que existe…para já.
– Dr. João Júlio Cerqueira – Especialista de Medicina Geral e Familiar –