Introdução
Todas as semanas aparece alguém na consulta com a seguinte queixa: “Doutor, estou a ouvir muito mal deste ouvido. Isto aconteceu depois de tomar banho. Além disso, também tenho uns zumbidos estranhos que não me deixam dormir.”
Uma avaliação rápida com recurso ao otoscópio mostra, na grande maioria dos doentes, a presença daquilo que chamamos rolhão de cerúmen…ou seja, uma grande quantidade de cera dentro do ouvido.
Uma avaliação mais detalhada, irá mostrar que o rolhão tem uma forma côncava e pequenos pêlos brancos, o que informa o médico do seguinte: o doente utiliza cotonetes…
Ou então o médico diz: “Tem aqui uma grande quantidade de cera”, ao que o doente responde: “A sério, sr. doutor? Mas eu limpo todos os dias os ouvidos com o cotonete!”.
Então, porque é que não deve utilizar cotonetes?
O canal auditivo externo é dividido em duas partes:
- uma parte composta por cartilagem (o terço mais externo);
- uma parte composta por osso (os dois terços mais internos).
É na porção cartilagínea (mais externa) que existem as glândulas que produzem a cera. A cera não é um resultado de “sujidade” do ouvido, é uma substância normal e desejável num ouvido saudável. Esta cera é produzida constantemente e tem um movimento migratório externo. Ou seja, se nenhum fator interferir com a fisiologia do ouvido, a cera tem tendência para sair do ouvido por ela própria.
Mas para que serve a cera?
A cera não é uma coisa má. Serve para proteger e limpar o canal auditivo. E sendo uma substância à base de gordura, impermeável, ajuda a manter a água fora do canal. Esta propriedade da cera, associada ao seu efeito antimicrobiano devido ao seu pH ácido, evita a propagação de bactérias no ouvido.
De facto, a principal causa de otites nas crianças (principalmente otite externa) parece ser a utilização de cotonetes!
Outra razão para não utilizar cotonetes é que no final do ouvido está a membrana timpânica, que serve para amplificar e propagar os sons. Se colocar um cotonete, não está apenas a retirar cera, está também a empurrar a cera contra a membrana timpânica. Pior, poderá traumatizar a membrana com o cotonete, assim como os pequenos ossículos localizados para lá da membrana: o martelo, trapézio e estribo.
O que é a pior coisa que pode acontecer?
O pior que pode acontecer é uma rotura da membrana timpânica que poderá obrigar a cirurgia. Poderá mesmo perder a audição por completo no ouvido traumatizado.
Mas o mais comum é a acumulação de cerúmen no ouvido. Ao colocar o cotenete, você retira alguma cera e fica com a sensação que o ouvido está mais limpinho. Mas de facto, vai ficar com o ouvido ainda mais sujo…a grande maioria da cera é empurrada para dentro do canal. Com a repetição deste comportamento, vai criar o rolhão de cerúmen impactado e um dia vem à consulta porque está a ouvir mal, está com tonturas ou tem um zumbido que o incomoda. Este rolhão implica a limpeza do ouvido pela enfermagem ou, em casos mais graves, o envio para otorrinolaringologia.
Além disso, a utilização continuada de cotonetes faz com que o ouvido fique mais sensível e com a pele seca…e a pela seca, dá comichão. O que acontece a seguir? Vai utilizar o cotonete para aliviar a comichão, criando um ciclo vicioso. Cotonete, Comichão, Cotonete…Eventualmente, o traumatismo é tão grande que a pele vai ficar com ferida, permitindo o aparecimento de infeções oportunistas…
Portanto, a nossa recomendação é: limpar os ouvidos, só com os cotovelos.
Caso sinta necessidade de limpar os ouvidos, o melhor será consultar um profissional de saúde.
Na saúde ou na doença, pode contar com os melhores conselhos dos nossos profissionais. Saiba mais sobre os nossos serviços ao domicílio.
– Dr. João Júlio Cerqueira –Especialista em Medicina Geral e Familiar –