Introdução
Cancro…uma palavra que inevitavelmente nos cria medo…principalmente quando nos atinge ou atinge alguém que nos é próximo.
Ninguém quer passar por esta experiência e por essa razão procuramos ajuda médica no sentido de “prevenir” este problema ou então detetá-lo o mais cedo possível.
Quando chegamos ao consultório, perguntamos…”doutor, o que fazer para evitar o aparecimento de cancro?”
Existem coisas básicas, mas que comprovadamente diminuem o risco de ter cancro, em geral:
– Ter uma alimentação baseada em frutas, legumes, frutos secos, carnes brancas e peixe. Evitar ingestão excessiva de gorduras saturadas e hidratos de carbono simples.
– Fazer exercício regularmente;
– Manter um peso adequado;
– Não fumar;
– Não beber álcool excessivamente;
– Ter hábitos de sono saudáveis.
Relativamente ao cancro da próstata, o tema principal deste artigo, parece que manter atividade sexual regular também diminui o risco de vir a sofrer deste problema, o que é uma boa notícia 🙂
Surgem poucas dúvidas acerca das vantagens destes conselhos.
O problema vem a seguir…”Doutor, não posso fazer nenhum exame de rastreio para detetar o cancro da próstata?”…a resposta não é simples e infelizmente, não é a desejada tanto pelos doentes como pelos médicos.
Fazer ou Não o Rastreio?
Os investigadores têm tentado descobrir uma forma de detetar o cancro da próstata mais precocemente por forma garantir melhores resultados do tratamento.
As recomendações tradicionais para o rastreio de cancro da próstata incluíam a realização do PSA, o toque retal e a realização de ecografia prostática.
No entanto, cada vez mais estudos têm demonstrado, de forma bastante convincente, a ineficácia destes testes de deteção.
Primeiro, é preciso perceber que detetar precocemente um problema, nem sempre é bom. Porquê? Porque existem muitos “cancros” de próstata que são detetados e que nunca iriam dar problemas ao doente. Seja porque são tumores que não crescem ou então crescem de forma tão lenta que o doente iria falecer de outros problemas de saúde não relacionados com o cancro da próstata. A este problema chamamos sobrediagnóstico ou “pseudo-doença”. Estamos a detetar “não cancros” e estamos a fazer “não diagnósticos”… 🙂
Em segundo lugar, surge a questão…é importante detetar os tumores precocemente porquê? Simples…para diminuir a mortalidade. Para que as pessoas vivam mais tempo, ou então para reduzir o desenvolvimento de cancro da próstata metastizado e todos os problemas associados.
Infelizmente, o rastreio do cancro da próstata mostrou não ser eficaz na redução da mortalidade geral…e os estudos que demonstram a sua ineficácia duraram entre 10 a 14 anos, o que é um tempo bastante razoável para tirar conclusões. Ou seja, quem é sujeito ao rastreio de cancro da próstata e quem não é rastreado vive aproximadamente o mesmo tempo…o rastreio não trouxe qualquer benefício.
Em terceiro lugar, temos todas as consequências associadas à deteção e tratamento de “cancro de próstata”. Sim…consequências.
Vamos supor que o seu médico lhe pede o PSA para rastreio de cancro da próstata…e tem um resultado positivo…o primeiro problema associado é a ansiedade que um resultado destes cria. Principalmente quando o doente não sabe que o PSA é falso-positivo em 80% dos casos…ou seja, apesar do resultado ser positivo, o doente não tem nenhum problema.
O problema não termina aqui…como o resultado é positivo, “temos que investigar!” – dirá o médico. E vai fazer uma ecografia prostática transretal com realização de biópsia aleatória, o que não é nada agradável….…………um terço dos doentes irá ter dor, febre, hemorragia, infeções, dificuldades urinárias transitórias e outros problemas que requerem um seguimento médico. Cerca de 1% irá ser hospitalizado devido às consequências da biópsia.
Se isto é mau, o que vem a seguir é péssimo…vamos supor que tem um teste de PSA positivo e que a biópsia detetou “células malignas”…o diagnóstico de cancro da próstata será colocado em cima da mesa. No entanto, lembre-se do que falamos anteriormente…muitos destes “cancros” nunca iriam evoluir ou trazer qualquer problema ao doente.
Perante uma situação destas, nos Estados Unidos, por exemplo, 90% dos doentes com um cancro da próstata detetado utilizando o PSA irá receber tratamento precoce com recurso a cirurgia, radioterapia ou hormonoterapia.
Após um mês de tratamento cirúrgico, 5 em cada 1000 doentes vai falecer e 10 a 70 doentes vão ter consequências sérias relacionadas com a intervenção.
A radioterapia e a cirurgia resultam em problemas a longo prazo, que incluem incontinência urinária e disfunção erétil que atinge 200 a 300 em cada 1000 doentes intervencionados. A radioterapia também está associada a alterações do funcionamento intestinal.
Alguns médicos preferem utilizar a hormonoterapia na fase inicial do cancro da próstata, principalmente em homens de mais idade. No entanto, mais uma vez, as notícias não são boas…estes medicamentos ainda não demonstraram melhorar a sobrevida em doentes com cancro da próstata localizado. Além disso, 400 em cada 1000 homens tratados vão ter disfunção erétil, para além da ginecomastia e afrontamentos (sim…são aqueles sintomas que as mulheres têm quando estão na menopausa…).
Perante esta evidência, a grande maioria das associações médicas internacionais não recomenda o rastreio de cancro da próstata, devido ao sobrediagnóstico, à não diminuição da mortalidade recorrendo ao rastreio, às consequências do tratamento e à nossa incapacidade de distinguir os cancros da próstata perigosos dos cancros da próstata indolentes, que nunca trarão qualquer consequência ao doente.
Conhecendo estes factos, é importante percebermos que a medicina, apesar de estar a evoluir de dia para dia, permanece com grandes limitações no que concerne à deteção e tratamento de algumas doenças, como o cancro da próstata.
Apesar dos nossos medos, do receio de ter um cancro da próstata e falecer por essa razão, é importante aceitarmos que muitas vezes não fazer nada é mais benéfico do que sermos demasiado interventivos, tanto no rastreio precoce como no tratamento deste problema.
Sei que muitos doentes continuarão a requisitar o PSA aos seus Médicos de Família e muitos Médicos de Família continuarão a aceder a esses pedidos, seja pela insistência do doente, pela desatualização do médico relativamente às melhores práticas médicas atuais ou mesmo pelo “mais vale prevenir…” frase que todos dizemos a nós próprios, de tempos a tempos.
Conclusão
Concluindo, o mais importante é que o doente tome uma decisão informada e conheça as consequências das suas escolhas. O papel do médico será o de ajudar o doente a tomar essa escolha de acordo com a melhor evidência disponível à data.
Lidar com o desconhecido é algo muito complicado, que traz muita ansiedade e desespero…mas muitas vezes é a solução menos má.
Deixamos uma imagem que simplifica a compreensão do que se tentou transmitir neste artigo
Deixo alguns links com informação relevante sobre o tema:
http://www.thennt.com/nnt/psa-test-to-screen-for-prostate-cancer/
http://www.cancer.gov/types/prostate/patient/prostate-screening-pdq
E se tiver dúvidas, já sabe que pode sempre contar connosco….
– Dr. João Júlio Cerqueira – Especialista de Medicina Geral e Familiar –